Empresas e jovens profissionais: é preciso melhorar esse diálogo

A antiga crise econômica, ampliada pela pandemia, não é a única responsável pela difícil inserção dos mais jovens no mercado de trabalho. Há muito tempo a juventude das periferias enfrenta essa exclusão, mas por outros motivos.

Baixa escolaridade, fragilidade da formação educacional, longas distâncias entre periferia e centros urbanos, falta de recursos econômicos e preconceitos. Estes são os principais problemas enfrentados pela juventude brasileira que mora no entorno dos grandes centros econômicos.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad-2011), o percentual de jovens entre 15 e 24 que fazem parte do mercado de trabalho, diminuiu de 57,7% em 2001 para 53,6% em 2011, diferentemente da taxa de atividade da população em geral, que permaneceu relativamente estável nesse período.

O contingente de jovens é o maior que o Brasil já teve, somando 47,3 milhões de brasileiros com 15 a 29 anos. É justamente entre eles que as desigualdades de renda aumentaram nos últimos cinco anos (Pnad-2019).

Em grande parte dos casos de inserção precoce no mercado, os jovens acabam alocados em postos precários em que as chances de crescimento profissional quase inexistem.

A escola, que deveria melhor prepará-los para uma vida profissional ativa, está ainda distante disso, embora tenha obtido alguns avanços nos últimos anos, no Ensino Médio. Segundo a pesquisa Juventude, Educação e Projeto de Vida (Plano CDE e Fundação Roberto Marinho), questões como desorganização, falta de infraestrutura, existência de bullying, violência e preconceito, aulas monótonas, materiais didáticos ruins são alguns dos empecilhos que os jovens apontam para não se sentirem estimulados a estudar. Obstáculos que acabam prejudicando não só a formação para o mundo do trabalho como a permanência do jovem na escola.

Como país, ainda estamos longe de inserir a mão de obra jovem no mercado de trabalho. Políticas públicas se mostram pouco eficientes nesse sentido diante da urgente demanda. Por isso, o papel das organizações da sociedade civil, que fazem a ponte entre a juventude das periferias e as empresas, buscando essa inserção, tem se tornado essencial para mudar o cenário.

Desafios para garantir o primeiro emprego

Muitas empresas se mostram interessadas em abrir espaços para os jovens nos seus quadros de colaboradores. No entanto, ainda existe um descompasso entre o que elas querem e o que os jovens têm a oferecer.

O primeiro obstáculo, que acaba barrando uma boa parte dos candidatos, é o conhecido ‘CEP’: “A distância da casa do jovem até a empresa parece ser intransponível para aqueles que contratam”, explica Elaine Souza, assistente social e coordenadora geral de projetos no Brasil da organização social Viração, parceria da United Way Brasil. Para ela, é preciso entender que a conjuntura estrutural da cidade foi concebida com base em um processo social que excluiu as periferias do dia a dia dos grandes centros. “O CEP coloca os jovens nesse lugar, no lado de fora”, complementa.

Para ela, outras questões antigas, que ainda influenciam muito a escolha dos profissionais para uma vaga, são a cor da pele e o gênero. “Mulheres jovens, negras, da periferia são as que encontram maior dificuldade de inserção”, afirma Elaine.

Um aspecto alegado nas seleções de diferentes RHs para não contratar jovens é a falta de experiência anterior. “Acho que é preciso melhorar esse diálogo entre a empresa e o jovem para entender quais habilidades ele possui. O que vejo nas periferias, especialmente onde o Viração atua, no Grajaú (SP), é um lado empreendedor bastante ativo dos jovens do território. Eles acabam empreendendo porque percebem o quanto é difícil entrar no tradicional mercado de trabalho”, explica Elaine.

Para Benigna Alves Siqueira, Coordenadora Pedagógica da Associação Pró-Morato, em Francisco Morato (SP), parceira da United Way Brasil, existem faixas etárias na juventude que sofrem ainda mais com o desemprego. “A realidade do jovem da periferia é muito diferente, por exemplo, da do jovem da classe média. Aos 15 anos, ele sofre a pressão da família para colaborar com as finanças da casa. Essa faixa de idade é a que menos consegue emprego nas empresas, que buscam por jovens mais velhos”. E complementa: “Aos 18 anos, muitos deles já moram sozinhos ou são pais e têm de dar conta de demandas de adultos”.

Benigna também acredita que, em algumas situações, existe uma desconexão entre empresa e o jovem da periferia. “Já encaminhamos dezenas de jovens para uma vaga. Nenhum foi aceito e eu sei que naquele grupo existiam ótimos candidatos, com grandes potenciais. As empresas poderiam considerar que o jovem que mora longe dos grandes centros vive uma realidade diferente por uma série de circunstâncias. Muitos deles têm dificuldades para falar o português corretamente, têm vícios de linguagem, de postura… questões contornáveis, que a empresa pode trabalhar e mudar, porque esse jovem traz diferenciais que muitos não têm: vontade de fazer parte, desejo de superação, resiliência… São pessoas que lutam todos os dias para vencer desafios”, afirma a pedagoga.

Para ela, é preciso que as empresas revejam a abordagem, incluam a exclusão econômica no campo das diversidades e possam, a partir daí, adequar as seleções de RH para que façam sentido ao jovem. “As corporações têm muito a ganhar. Esses jovens são os mais motivados, porque desejam virar o jogo da realidade difícil de suas famílias”, conclui.

Investir em treinamentos, em mentorias, em vivências cotidianas com outros profissionais para compartilhar experiências, também são maneiras de preparar esse jovem para os desafios do trabalho.

A United Way Brasil, com seus parceiros, realiza o programa Competências para a Vida, cujo objetivo é justamente apoiar os jovens no seu projeto de vida e na carreira profissional. Isto porque acredita que a juventude é um dos pilares essenciais para a sustentabilidade e o desenvolvimento do país, assim como representa uma das forças mais ativas e criativas no combate às desigualdades.